sábado, 13 de junho de 2009

MESMICE SISIFIANA



Os sons da manhã me deixam nauseado. Ônibus, carros e saltos de sapatos femininos. A água sagrada chocando contra o meu teto: o vizinho do andar superior preparando-se para fazer o mundo continuar funcionando. As edições dos jornais sensacionalizam o dia: violência, eleições, o time popular lutando contra rebaixamento, sexo, cães, gatos, arquitetura e milhares de fragmentos. Uma foto interessante: uma criança olha em direção a um buraco no vidro da janela. Da minha janela avisto a faxineira varrendo o estacionamento. Homens e mulheres retornando para casa, suas cidades sujas, destruídas. Deflação, bolsas de valores, lucros, balanças comerciais. Nenhum verso.
Velhos empurram seus corpos em direção aos hipermercados. A TV começa a ser inundada de receitas de macarronada italiana, dicas para deixar o corpo saudável, para fazer o apartamento ficar mais "verde" e aconchegante. Jovens com calças rasgadas e cabelos arrepiados vão em gangues, entre muros criptograficamente grafitados, abusar e sarrear a cara dos mestres que não se consideram mais "a luz do saber" de ninguém. Um carro pára, um cara sai, o som do rap é alto, o tênis Nike denuncia que a revolta dos pobres virou mercadoria nas mãos da classe média. O bairro mais nobre está deliciosamente quieto. Toda cidade tem seu bairro bairro nobre com cheiro diferente. O céu está azul e alguns pássaros voam em direção a não-sei-aonde.
Um absurdo. Aliás, o mundo é um absurdo. Tudo permancerá como sempre, substancialmente. Traições, mentiras, dores, desemprego, falta de amor, solidão. Mas haverá alegrias. Haverá sussurros, paixões, declarações loucas de amor. Morte e batismos. Nada além, nada aquém. A imprensa vai maquear a realidade com sensacionalismo. O planeta continuará em sua orbita corriqueira. Dizem as más línguas que o sol está iniciando seu processo de "apagamento". Como será o mundo sem luz? (Geraldo Magela)

Um comentário:

  1. Fabuloso. É certo que nos adaptaríamos. O Saramago tentou algo parecido com isso no Ensaio Sobre a Cegueira, não? Eu acho que sem sol a pele ia ficar branca e feia, quase transparente. Veríamos o coração pulsando, as veias e os ossos seriam o destaque semiótico, a estética do corpo teria o seu apogeu. Fabula do Esopo, do estômago em jejum - K. foi surpreendido assim, numa manhã qualquer...

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