sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

ELO FEMININO




Do nada, do absurdo que é o imenso oceano cibernético e suas ondas anárquicas, surgiu diante dos meus olhos outros olhos. Azuis cor-de-céu-sem-nuvem. E fazem uma rima com a pele morena que deixaria Picasso a rever seu cubismo e ficar perdido. Talvez Guimarães Rosa, mineiro como ela é, explique esse encanto. Ele que era especialista em encantos ficasse só, meditando como aquelas flores do campo, que nascem e são balançadas pelo sabor do vento no meio de um sertão imaginário qualquer.Esses olhos azuis sabem lidar com palavras. Sabem nos enfiar numa trama que só ela é timoneira. É trama puramente lúdica. Irresistível mistério. Diz que nós nos perdemos em nós mesmos, ninguém faz ninguém se perder. E acho que ela sorri depois de falar de perdição, um sorriso que deixaria o Tribunal da Santa Inquisição horrorizado. Seus lábios sempre estão repousando em outros sob a égide da liberdade de ser o que é. Em imagens já vi outros olhos verterem lágrimas, em abraços, e ela estática, com o sorriso. E os mesmos olhos sempre engatilhando sedução. Tenho a leve desconfiança de que ela inspirou Caetano: "cada um sabe a dor e o prazer de ser o que é". É o elo que me falta para entender porque sou perdido assim. Talvez não, também. Talvez seja a corporificação de uma trapaça sartriana: ela é apenas uma essência gerada por uma existência virtual. E eu, com Fernando Pessoa aqui do lado, vou fingindo amor para escapar da dor de não encontrar o belo por aí

LAMENTO SERTANEJO






Enquanto lia uma revista, ouvia "Lamento Sertanejo". Na revista, na seção de frases, estava uma do Machado de Assis, o homem que nos deu de presente a Capitu. "Perdi-me dentro de mim/Porque eu era um labirinto,/ E hoje, quando me sinto,/ É com saudades de mim.", em uma das máximas de Brás Cubas em suas Memórias Póstumas. Do interior do Brasil, lá pelas bandas que Guimarães Rosa plantou seus pés para colher palavras, vim para esse tipo de cidade. Dizem que toda cidade é um texto; para ser preciso, os urbanistas. E por aqui não tenho como fincar raízes. Estranho o concreto. Vivo no ar.

Depois de ler, navegar pelo mar vasto da internet e anotar telefones que irei necessitar para escrever sobre Wicca, resolvi dar os ares da minha (des)graça. E quem sempre me acode é o samba. Mesmo depois de ser taxado de "sujeito que cita frases e nunca é autêntico". Fiquei observando o movimento do imenso rebanho urbano. Ninguém tem culpa, é o sistema. Assim como o engenho é feito para moer a cana e transformá-la em garapa, açúcar, álcool e cachaça, a metrópole transforma tudo em um amontoado de corpos, multidão que não passa de um produto que quer consumir produtos. O barulho da manhã me deixa irado, nervoso, com medo, perdido, revoltado. Esse texto me deixa com a alma triste como o canto do uirapuru.

E me veio no coração Ismael Silva com seu "O Que Será de Mim". Nitidamente ouvi: "Se eu precisar algum dia/ De ir pro batente/ Não sei o que Será/ Pois vivo na malandragem/ E vida melhor não há.../Deixa falar quem quiser/Deixa quem quiser falar/O trabalho não é bom". E ainda foi complementado com o "Ninguém pode duvidar": "Trabalhar só obrigado/ Por gosto ninguém vai lá (...)".

Caprichada letra escrita quando o Brasil já não era um país exclusivamente agrário. A principal cidade era o Rio de Janeiro. Um imenso rebanho fugia da ditadura dos fazendeiros latifundiários e corria para os braços dos coronéis do concreto. Nada mudou na vida dessas cabeças de gado.

E fico pensando na gente que conheço daqui. O Noel que perdeu a esposa para um amigo. Noel trabalha durante 14 horas e ainda defende tese em uma universidade de renome internacional, para "subir" na empresa e estar afinado com os interesses do mercado. Nathan é um filho solitário. Passa as madrugadas em meu apartamento. Mexe na internet. Pede que eu faça café. A Luna é outra que vem me visitar. Chora, conta o que acha que é loucura na sua vida. Luna e Nathan são filhos de pais prósperos. Eles têm carro do ano, são sócios de clubes de fina classe e ocupam cargos importantes em suas empresas. Luna e Nathan sempre me dizem: "Geraldo, falam que você é um louco, um imprestável, um cara decadente, esquisito". Fico rindo.

Mas já começaram a brotar para todos os cantos desse jardim de concreto chamado metrópole as flores solitárias. São crianças sem pai ou sem mãe. Sem casa com cozinha grande para receber amigos. Furam seus corpos, ornamentam com tatuagens, pintam o cabelo, grafitam muros e os vejo como reflexo da loucura instituída pela farsa chamada de "modernidade". A Viviane tem 13 anos e não sabe discernir o seu bebê das bonecas. Nem o som do rap soube libertar essas meninas da periferia. Os "racionais" souberam extrair da desgraça um bom dinheiro para cairem nos braços da boa vida. A palavra periferia está tornando-se lugar-comum. Termo que virou clichê. Foi abocanhado pelos heróis da classe média que pensam em "salvar" os pobres indefesos dos distantes espaços urbanos.

Talvez esteja sendo simplista demasiadamente. Não sei. Mas acho que uma boa xícara de café e o sofá de uma sala podem ajudar. É por isso que o samba é minha terapia. Sinto vida correr e esgueirar-se entre os versos. Sinto a voz sincera e sem tecnologia desse pessoal lá do morro. Me lembro do Bezerra da Silva que nunca deixou o morro.

É que estou sentindo saudades de mim. "De mim" quando caminhava nas ruas, vias e vielas de um mundo aberto ao sol. Lá também há morte, violência, injustiça. Mas lá há algo que só um amigo, o ilustre anarcosambista Bruno Ribeiro, me fez: me levou para tomar um café em sua casa. Dormi em seu quarto. E fiquei feliz com o carinho do André Montanher, esse neopunqueirosocialista, ao entrar em meu apartamento e prosear. São rapazes de valor porque não têm medo do outro. São humanos, demasiado humanos. Aquele "de mim" que sinto saudades é sempre resgatado quando alguém, como o Bruno e o André, partilham a simplicidade da hora de um café.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O POVO

a esquerda O POVO a direita
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       a esquerda e a direita


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CANSAÇO

k. está profundamente cansado. Mas não é cansaço físico, é existencial. Ser ou não ser. Para K. a existência vem primeiro que a essência; ele não acredita em deuses para tapear sua alma. Se bem que a Neurociência anda proclamando qualquer espécie de fé em remédio. Uma droga que produz ânimo e esperança. K. sente certa piedade dos cristãos: têm um Evangelho a ser seguido, mas o único que conseguiu foi morto na cruz. Não existe mais ninguém que coloque em prática o manuscrito dos cristãos. São produtores do fundamentalismo e da maior variedade de tentáculos. K. não consegue saber quantas igrejas cristãs nascem por ano. Se reproduzem como células cancerosas.
O sol estava escaldante e K. esperava ônibus. Um homem vestido de terno pregava publicamente a Bíblia.
Pregava um deus bravo, sem piedade. K. sentiu pena do pregador solitário. Ninguém dava a mínima para ele. Uma moça na sua frente carregava debaixo dos braços um livro de auto ajuda: Como Ser Feliz. Na esquina uma loja de artigos de Umbanda. K. sente-se esmagado pela sua melancolia, mas, ao mesmo tempo, sente uma profunda alegria por não seguir os passos de filósofos, psicólogos e cientistas.