sábado, 3 de abril de 2010

BRINQUEDO


Ele não possuia amigos. A solidão era como um mar seguro, profundo. Melhor se esconder do que aparecer. Aparecer significa dar satisfações. Dar satisfações provocam mentiras. Por isso o sol batia no rosto de K., mesmo usando o velho chapéu - os homens de hoje não usam mais. K. era diferente. O sol iluminava-0. Caminhos, trilhas, vielas, ruas... amores perdidos, janelas fechadas, milhões de pessoas transitando. Depois de transitar pelas rodas de debates, entre acadêmicos o silêncio agora se basta. Escever para que? K. responde: "e eu sei?" Melhor falar menos possível para K. é um tesouro. Falar além do que convém lhe dói. O mundo parece ficar mais tranquilo com seu silêncio interior. Ele sente o gosto de ficar perdido, de não ter certezas. K. parece uma criança quando escreve. Qualquer palavra lhe serve de brinquedo. Por isso ele vive sorrindo sozinho. Nada vai ser pubicado. (Geraldo Magela Matias)

sexta-feira, 19 de março de 2010


Ela entrou num bar, ou melhor, numa espelunca. Lugar predileto de K. há anos. Por ali não existe a presença feminina, mas nessa noite aconteceu. Nane entrou. Com expressão cínica na face, pediu uísque e jazz. Sentou ao balcão e olhou para k., frequentador assíduo do bar. O corpo de Nane era perfeito. "E aí, cara, você é do bem ou do mal"?", perguntou a K. "Não sei o que é bem ou mal, senhorita, nem certo ou errado". Nane começou a sorver sua bebida em silêncio. Todos os homens tentavam chamar a atenção dela. Um mandou uma bebida como cortesia. Ela levantou-se e foi até a mesa do homem devolver a bebida, "vai tomar no centro do seu ..." Dançou sozinha com o copo de uísque na mão direita. Ria ao léo. K. observou que ela era casada. "Será que ela é bem ou mal casada?", perguntava a si mesmo K. Mas ele gostou dela. Não haveria necessidade de tocá-la, apenas caminhar e conversar. Ele até esperou por isso. Nane pediu outro uísque e o bebeu de uma vez só. Pagou, deixou gorjeta e foi embora. Todos ficaram atônitos. (Geraldo Magela Matias)

terça-feira, 9 de março de 2010

DOS CÉUS


Quando criança, pequena, K. acreditava que Deus protegia. Quando alguns sobrevivem em tragédias, foi Deus era Deus quem tinha socorrido. Não consegue mais ler sobre tsunamis. Nem mesmo sobre artistas lutando contra o câncer. Quando K. era menino, ele guardava os ramos sacudidos durante a Páscoa, quando Cristo entrava em Jerusalém simbolicamente, em festividades católicas. Quando os céus ficavam escuros e a tempestade caia, K. ateava fogo nos ramos crendo na proteção divina.

Mas K. não é mais católico. Nem crê que a luta de ecologistas vai acabar com a destruição do planeta. Ele ateia fogo no seu cigarro (politicamente incorreto) e fica olhando para o céu. Os tsunamis não perdoam ninguém. Não escolhem quem vai ficar ou ir embora para sempre. Tudo culpa da ganância do mercado imobiliário - dizem que as Igrejas vendem terrenos nos céus. O país mais protestante do mundo é o que mais polui, os EUA. A chuva não faz acepção de pessoas. Ela mata quem estiver no seu rumo. (Geraldo Magela Matias)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A DOR


K. carrega uma dor: não crer em Deus. Toda a responsabilidade acaba recaindo sobre seus ombros: desgraças grandes e pequenas. Mesmo sabendo das máculas, das feridas e das dores corroendo seu ser, ele firma pé no ateísmo. K., porém, já sentiu pontadas de fé. Foram segundos de alívio em plena concordância com um tal Karl Jaspers. K. já ficou ouvindo pregadores de rua durante horas. Homens que chamam a Bíblia de "espada". Eles saem felizes, com a missão cumprida, depois de apregoarem Deus. Mas K. sabe que o ser humano, todos nós, possuímos nossas religiões. Ele sabe perfeitamente que o ateísmo também é uma. Até mesmo o Existencialismo Ateu de Sartre é uma corrente que exige grande esforço para assimilá-la. Nos grupos radicais de esquerda seus membros confundem O Capital de Marx como regra de conduta e visão de mundo. K. até ficou sabendo da contribuição financeira obrigatória entre os ateístas partidários e a "espada" é uma promissora revolução armada. Saramago colocou Jesus na cama de Maria Magdalena, no campo da literatura ateísta. Mas propõe, o portugues que ganhu o Nobel de Literatura, um Nada para os problemas mundiais. Para K., Saramago é como todos: somos vítimas. Quem sabe se perdermos o medo, ficarmos calados e ajoelharmos não poderíamos conversar com Deus? K. sentiu outra pontada de fé. (Geraldo Magela Matias)