sábado, 10 de outubro de 2009

DEUSA


Não vejo nada além da lua
que derrama luar
sobre pétalas de flores;
mas sei que há uma dança
de astros, destinos, sonhos
no vasto mundo.
O luar é certo e combina
com Luna, nome forte,
deusa romana da lua.
invisível, perspicaz, astuta.
Mulher de si mesma.

Sei também que o luar
derrama sobre seu corpo
a magia, o mistério, o mítico.
- pura intuição.
Onde estará minha linda deusa?
Em cada canto do seu corpo
uma rima bem metrificada
anuncia prazer, desejos, volúpias
- minha imaginação rica como diamantes

Mas a lua é lua.
Ela não irá nortear meus caminhos
para chegar até Luna,
meu doce enigma.
Lançarei minha nau nos mares
para buscá-la.
No mais puro querer,
como o mitológico Jazão e sua
paixão por Medéia,
construirei minha argos.
É um querer antes do querer...


(Geraldo Magela Matias)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

PEDRA SOB PEDRA


A pedra de Drumond
A pedra de Cora Coralina
A pedra de João Cabral
As pedras
As palavras perdidas
que acertaram
em cheio
corações de pedra.
Corações-balões
Corações de penas.
Sempre haverá
palavras
e pedras.
Inclisive a
pedra de Sísifo (Geraldo Magela Matias).

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

BÁRBAROS



K. chutou uma pedrinha. Ela foi ao longe. Com um jornal debaixo de braços, caminhava matutando. Os mesmos homens, que afirmam ser civilizados, decretavam barbáries. "Bobagem, o poder é mesmo o maior gozo da maioria; quanto mais amordaçar, melhor". K. abordava em sua mente uma aritimética ética: "como os bárbaros estão amordaçando a imprensa se eles são proprietários da maioria dos canais de rádio, TV e de jornais"?". K. sempre largava ao relento seus questionamentos. Uma xicára de café com leite é melhor. (Geraldo Magela Matias)

domingo, 30 de agosto de 2009

O BEIJO


Beija flor beija pedras beija beija
a sarjeta a direita beija a boca do inimigo
a esquerda o centro o alienado
o desbunde o hippie o índio
a labareda beija belo beija céus
a buceta beija a moral o imoral
o amoral a ética beija e depois
limpa a boca com mais beijos
beijos beija beija até cansar
até sumir um sopro
de vida para beijar a morte (Geraldo Magela Matias)

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

AS BARATAS


K. está estarrecido. Levantou com um gosto oxidante na língua. A adrenalina o faz lembrar até mesmo de alguns neurocientistas tomando o café da manhã. K., sem saber o motivo, lembrou-se da barata que ficou presa na porta de armário na obra de Clarice Lispector. K. chegou a pensar, na juventude, que iria ser um santo progressista, socialista. Passou a ser somente socialista. Mas todo socialista pensa em ser santo. Era a regressão. K. recebeu abraços festivos pela conquista: conseguira um "bico" de porteiro. Imaginou que iria poder ler algumas páginas de um livro qualquer, mas não, não seria possível. A empresa é de capital internacional. Menos K. é internacional; muito menos nacional ou municipal. Ele é do tamanho das baratas de Kafka e Clarice Lispector. (Geraldo Magela Matias)

terça-feira, 28 de julho de 2009

O SUPER-HOMEM


Porcaria de diário. Ínfimo diante de milhares de pessoas sentindo o pulsar da existência. A neblina cobria as ruas da pequena cidade. K. estava lá para tentar fugir. Ele estava pensando que tudo era uma emboscada. "Um risco em cada esquina", menos naquela cidadezinha. As mãos que estavam redigindo sua merda de existência agora são esquentadas pelos bolsos da velha jaqueta. É, talvez seja isso: a história é uma velha gagá, vive repetindo-se. Tomara que K. não tenha cometido um plágio em comparar história com velhas gagás. K. não queria nada: nem dor, nem coração, nem felicidade. Foram toneladas de experiências. Pelos seus lábios passaram outros tantos quantos lábios. Leu, comeu páginas e páginas de livros - menos os de auto ajuda. Pendulou em locais luxuosos e casas de putas que serviam de ninhos para baratas, era só cutucar a parede forrada de madeira. K. admitia que era apaixonado pelo ser humano. Histórias pessoais. Quantas vezes ele invadiu almas, perscrutando, tomando conta da alma e fazendo até que a pessoa entrasse em pane com o ego do tamanho de um balão colorido. Mas o ego de K. não era do tamanho do bigode de Nietsche. Até porque Nietzsche era tão sensível que chorou ao abraçar o pescoço de um cavalo, em Milão, suplicando que o cocheiro cessasse as chicotadas. Era um cordeirinho perto de sua irmã. A julgar pelo bigode pode-se tê-lo como um gigante, mas era baixinho. Tudo é inútil. Tudo tudo valor. Resta saber qual caminho tomar. K. voltou para casa sem encontrar os perigos nas esquinas. Dormiu em paz. (Geraldo Magela Matias)

quarta-feira, 22 de julho de 2009

INFÂNCIA


Acabei de perder-me no meio de sentimentos. Não sei mais o que digo.
Destrocei todos os sonhos de fomentos. Não sei mais onde fico.
E tudo parece ser um tormento. Mas eu não ligo.
Estou rindo, estou lento. Não me desligo.
Tudo é muito grande, até mesmo o meu quarto, meu quintal
Tudo é muito grande, até mesmo o meu quadro, meu varal.
Tudo é tão pequeno, até mesmo minha mente que não me desmente:
ainda caibo nas roupas de criança;
até mesmo tenho uma pipa como esperança,
amplamente multicolor,
mas não vou amar loucamente mais que amei
e tudo terá um fim como uma gota de orvalho
sendo apagada pelos raios de sol.

(Geraldo Magela Matias)

sábado, 18 de julho de 2009

MEDO DE AMAR




Faz muito tempo que não vejo
o luar da lua ser exilado
dentro dos meus propósitos;
uma covardia em pleno dia.
Mesmo querendo um beijo
no meio do campo molhado,
resisto e me agarro ao medo.

E o sol engolindo e rindo
da fragilidade do orvalho
que brilha nas pétalas
de rosas em praças públicas vazias

Será que alguma moça linda
está lendo o meu mais novo poema
ou vou continuar como uma
rocha bruta e sem utilidade?


(Geraldo Magela Matias)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Movimento dos Sem-Causas


K. estava profundamente irritado. Quando K. ficava irado ele gaguejava, mas não chegava a ser violento com as palavras. "Não, não acredito. Abaixo da reportagem sobre os sem-teto anúncios de mansões, palacetes e apartamentos". K. não era esquerda, nem direita, nem centro. Era um niilista que tomava Coca-Cola e não importava-se nenhum cadinho da fórmula do refrigerante. Passava horas a fio sentado num banco de qualquer praça pública. Suas partidas de xadrez demoravam séculos. Mas não suportava quando mexiam de forma dolorosa com o ser humano mais fraco e desprotegido. Nunca ousou usar uma camiseta de Ong clamando a salvação de baleias. Mas vivia distribuindo cobertores e algumas refeições perto do seu apartamento. "Os japoneses não se importavam com mendigos, mas sim com baleias, eles apenas vivem bem por aqui e aposto que ninguém sabe dos motivos". K. cancelou a assinatura do jornal. Queria ter apenas poesia em suas mãos. Poesia marginal, cortante. (Geraldo Magela Matias)

domingo, 5 de julho de 2009

CONFISSÃO


K. anda falando para sua musa que lê Bukowski. Ela não sabe nada além de revistas sobrre fotonovelas. As mulheres que falam com K. sobre Linguística não tocam seu lado sensual. K. confessou que adora mulheres que adoram levar uns tapas na bunda e têm unhas pintadas de vermelho. "Lembra-me dez flores", argumentava. Na barbearia K. era tido como um sujeito burro, mas inteligente. No bar, era o intelectual maluco. Mas estava sempre em companhia de mulheres que ficavam encantadas por ele. Os garçons riam, riam muito. Como podemos achar um conceito exato para amor? Ele deve ter fugido como os patos de The Catcher in the Rye, o Apanhador no Campo de Centeios. É obscuro o lugar para onde forram os patos. K. foi o único tio que não deu Harry Potter para seu sobrinho - mudando um pouco de assunto. Deu o Apanhador. Mas o livro foi para o lixo e não havia nenhum pato dentro da lata e no coração do pai de Larry. Amor pelo que é sensual, bom, desafiador... parece ter acompanhado os patos. (Geraldo Magela Matias)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

FRASE DO DIA


'Escrever é uma chatice', diz Chico Buarque na Flip.

POETAS E PENAS


No meio das folhas perdidas
há só vento,
ventania selvagem,
amarelas no outono.
O arrastar de folhas
faz o manto negro
cobrir o mundo;
mas há quem goste.
E quem gosta, gasta
de gastura as pupilas
e as mãos.
Chá, café e vidraças
vibrando.
Algo no coração escreve
saudades de amigos
e cachos de cajus roubados, avermelhados.
Todos distantes.
Ninguém sabe para onde o vento vai,
mas sabe de onde vieram os amigos.
Talvez anjos seguram suas penas
para que nenhum poeta seja vidente,
apenas um amontoado de aço escrevente.

sábado, 13 de junho de 2009

'VERDADE TROPICAL?"




Dois fragmentos de declarações do Caetano para a revista Cult


Primeiro - "Eu sou um grande admirador dos Estados Unidos, não tenho raiva nem ressentimento. Não acho que nossa miséria é uma conseqüência da maldade, do egoísmo deles. A nossa miséria é resultado da nossa própria incompetência, e a grandeza deles é conseqüência da competência deles, que se expressou na visão espetacular dos fundadores da democracia americana. Muita gente diz que o povo brasileiro tem um grande ressentimento contra os Estados Unidos, que se sente oprimido e que tem vontade de dar o troco. Houve até quem aplaudisse a derrubada das torres do World Trade Center. Uns, publicamente, outros, à surdina, mas não que eu não ficasse sabendo. E, possivelmente, muitos eu não soube. Mas, por outro lado, o Brasil é um país onde as pessoas pobres batizam seus filhos com nomes de Jefferson, Washington, Wellington, o que eu acho maravilhoso. Quando vai modernizando coloca Michael, por causa do Michael Jackson. Eu acho que isso quer dizer muita coisa e de certa forma, fala de algumas regiões mais profundas da alma brasileira do que essa raivinha impotente contra os Estados Unidos".

Segundo - "Outro dia tive uma discussão com MVBill a respeito disso. Ele estava se reportando a um embate que teve sobre essa questão com o Arnaldo Jabor, que estava numa posição oposta à dele. Eu acabei não me contendo e iniciei uma discussão, onde eu queria fazê-lo ver que ele precisava levar em conta que grande parte do que é, não só movimento de consciência da questão racial, como o movimento específico do hip hop, ao qual ele se filiou, tem muito do desejo brasileiro exposto em várias áreas de ansiosamente imitar os americanos. E, de certa forma, com isso, se reafirmava uma humilhação dos brasileiros perante os americanos, o que não difere da humilhação dos negros perante os brancos. Há alguma coisa aí que fica de fora quando a pessoa não coloca certos elementos na equação. Eu pedi a ele que pusesse".

MESMICE SISIFIANA



Os sons da manhã me deixam nauseado. Ônibus, carros e saltos de sapatos femininos. A água sagrada chocando contra o meu teto: o vizinho do andar superior preparando-se para fazer o mundo continuar funcionando. As edições dos jornais sensacionalizam o dia: violência, eleições, o time popular lutando contra rebaixamento, sexo, cães, gatos, arquitetura e milhares de fragmentos. Uma foto interessante: uma criança olha em direção a um buraco no vidro da janela. Da minha janela avisto a faxineira varrendo o estacionamento. Homens e mulheres retornando para casa, suas cidades sujas, destruídas. Deflação, bolsas de valores, lucros, balanças comerciais. Nenhum verso.
Velhos empurram seus corpos em direção aos hipermercados. A TV começa a ser inundada de receitas de macarronada italiana, dicas para deixar o corpo saudável, para fazer o apartamento ficar mais "verde" e aconchegante. Jovens com calças rasgadas e cabelos arrepiados vão em gangues, entre muros criptograficamente grafitados, abusar e sarrear a cara dos mestres que não se consideram mais "a luz do saber" de ninguém. Um carro pára, um cara sai, o som do rap é alto, o tênis Nike denuncia que a revolta dos pobres virou mercadoria nas mãos da classe média. O bairro mais nobre está deliciosamente quieto. Toda cidade tem seu bairro bairro nobre com cheiro diferente. O céu está azul e alguns pássaros voam em direção a não-sei-aonde.
Um absurdo. Aliás, o mundo é um absurdo. Tudo permancerá como sempre, substancialmente. Traições, mentiras, dores, desemprego, falta de amor, solidão. Mas haverá alegrias. Haverá sussurros, paixões, declarações loucas de amor. Morte e batismos. Nada além, nada aquém. A imprensa vai maquear a realidade com sensacionalismo. O planeta continuará em sua orbita corriqueira. Dizem as más línguas que o sol está iniciando seu processo de "apagamento". Como será o mundo sem luz? (Geraldo Magela)

ELO FEMININO




Do nada, do absurdo que é o imenso oceano cibernético e suas ondas anárquicas, surgiu diante dos meus olhos outros olhos. Azuis cor-de-céu-sem-nuvem. E fazem uma rima com a pele morena que deixaria Picasso a rever seu cubismo e ficar perdido. Talvez Guimarães Rosa, mineiro como ela é, explique esse encanto. Ele que era especialista em encantos ficasse só, meditando como aquelas flores do campo, que nascem e são balançadas pelo sabor do vento no meio de um sertão imaginário qualquer.Esses olhos azuis sabem lidar com palavras. Sabem nos enfiar numa trama que só ela é timoneira. É trama puramente lúdica. Irresistível mistério. Diz que nós nos perdemos em nós mesmos, ninguém faz ninguém se perder. E acho que ela sorri depois de falar de perdição, um sorriso que deixaria o Tribunal da Santa Inquisição horrorizado. Seus lábios sempre estão repousando em outros sob a égide da liberdade de ser o que é. Em imagens já vi outros olhos verterem lágrimas, em abraços, e ela estática, com o sorriso. E os mesmos olhos sempre engatilhando sedução. Tenho a leve desconfiança de que ela inspirou Caetano: "cada um sabe a dor e o prazer de ser o que é". É o elo que me falta para entender porque sou perdido assim. Talvez não, também. Talvez seja a corporificação de uma trapaça sartriana: ela é apenas uma essência gerada por uma existência virtual. E eu, com Fernando Pessoa aqui do lado, vou fingindo amor para escapar da dor de não encontrar o belo por aí. (Geraldo Magela)

FACA

Faca lambe, como língua
a torrente vagarosa da sua inocência.
Rasga o peito
e deixa o leito indecente
de palavras duras
escoarem pelo brilho perdido dos seus olhos.

O que não está em nós
é o pleito eternamente vacante
da assombrada existência
cheia de nós, de mistérios, de obviedades, de finitudes.
Solte as palavras, solte a língua, solte o olhar,
agarre em mim, nos agarremos uns aos outros: somos um poema que fica,
mas nós vamos ser lambidos pela lâmina da morte,
o grande nortes em estrelas, sem luz, profundamente obscuro.

(Geraldo Magela)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Homem que carrega a cidade


Um homem carrega nas costas uma cidade. K. afirmava: "nada de mitológico, apenas uma estória, e olha que acabaram com a palavra estória; tudo tem que vir com h na frente". E o que é real? Existe realidade? K. estava numa barbearia masculina, por lá não sabem da existência da palavra metrohomem. Um poster antigo do Botofogo e outro do Flamengo estampavam cada um dos territórios dos dois profissionais. O único elemento que os unia estava num poster que continha uma mulher nua, de pernas abertas: Vera Fischer. "Então, K., quem é esse homem que arrasta a cidade? - em tom de zombaria". K respondeu: "ele é forte como Hércules e sabe ler a cidade, suas costas estão saraivadas de balas, poluição, corrupção e muita música, sexo e coisas corriqueiras". Para K. esse homem hora tinha esperanças, outras profunda amargura. Tudo era duplo nele, menos o sexo, não havia pois mulher para ele. Ele sabia de tudo sobre a cidade. Cada buraco de rua, cada gemido feminino, cada grito masculino. Não podia fazer nada. "Ele saiu da caverna", afirmava K."via os objetos e fenômenos como eles o são". Lá no fundo da cidade tudo era imagem. K. nem ousou tocar no assunto "mídia". Se para os que viviam no meio da cidade havia possibilidades maiores imaginem para os do fundo. Mas o homem um dia rompeu os grilhões e voltou-se para a cidade. Os cidadãos do meio ficaam enfurecidos. As imagens distorcidas que eles viam eram a "realidade". O homem apanhou muito e sentiu dor. Virou-se com alegria; colocou-se olhando em posição cotidiana e fincou pé. A "realidade" era sua dor, mas sua alegria. Ele viajava entre dois polos, sempre. K. usou a escovinha para limpar seu teno e saiu em busca de mundo. (Geraldo Magela Matias)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

MUNDICO


Mundico é nome de gente sem documento. Mundico nem achava tão importante, mas vivia carregando jornais debaixo dos braços. Era profundamente analfabeto. Um dia Mundico para K. sua profunda sensibilidade: agarrou-lhe o braço e o levou até uma imensa borboleta multicolorida. Com os dedos sujos, acariçiou a borboleta. Quando ela alçou vôo, Mundico chorou . Chorou desesperadamenente. Ninguém entendia o que Mundico falava, apenas algumas palavras. Seu "nome" fazia K. lembrar-se de Guimarães Rosa. Mas esse Mundico não é vaqueiro e nem jagunço. Ele "é" especial. Um dia K. o ouviu lamentar: "me solta dessa prisão, me solta". Ele não estava no Muro das Lamentações, em Israel. Estava diante de si mesmo, falando com algo que se chama "eu".
O mais incrível em Mundico é que ele mora num hospício. Quando o sol nasce, Mundico salta o imenso muro; quando o sol esta indo embora, ele retorna e solicita a abertura do portão, a única saída e entrada do manicômio. K. ficava rindo sozinho, K., normal... (Geraldo Magela Matias)

domingo, 31 de maio de 2009

POLITICÁLIA


A esquerda o povo a direita
A esquerd o pov a direit
A esquer pov a direi
A esque po direi
A esqu p dire
A esquerda a direita
soberanas...

A PORTA


Forte, tesa, absoluta. Frágil ao corte de um machado num roteiro de filme chamado "Iluminado". Mas existem portas intransponíveis. Chamamos as portas assim porque elas podem ser metáforas. A porta que K. queria era uma chance de poder tocar os lábios de Thelma. Ela andava de maneira lírica e era uma pedra bruta. Pingaram, em sua existência, lágrimas como se fossem o metal dourado da trinca de portas. K. nunca pudera amar como estava amando.
Sentado à frente da do seu quarto, imaginava rostos nas manchas do verniz da porta. O rosto de Thelma não estava lá. Estava em seu coração impedido por portas. K. estava sempre solitário. Como um deus grego castigado. Era violento e iluminado amor. (Geraldo Magela Matias)

sábado, 30 de maio de 2009

A LUA

K. vive sonhando. É seu ofício. Sonhar é como ficar à beira de um rio caudaloso, esperando que algo belo passe, algo que possa ser fisgado. Um motivo que dê esperança; ou dor. Uma flor no meio de uma metrópole poluida é motivo de poetar. Não há outra saída para K.: escrever. Ir até as vísceras. Mergulhar fundo na alma. Mas o que anda mesmo deixando K. espasmado é uma tal Lua. Misteriosa, alegre, senso crítico aguçado. E K., como recomendava Nietzsche, perguntava como criança: será que ela gosta de mim? Será que ela um dia vai me ver? K. às vezes sentia-se um idiota, começava a rir, sozinho, a ponto dos transeuntes ficar olhando com olhos arregalados para ele. Tomou banho de chuva para ver se, numa espécie de sessão mágica", captasse o ser de Lua. Mas não há mais nada a fazer. Até mesmo ficava rimando pobremente Kundera, bela, Kundera, bela.Tudo depende da Lua. Tudo. Numa insustentável leveza do mistério. (Geraldo Magela)