sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

LAMENTO SERTANEJO






Enquanto lia uma revista, ouvia "Lamento Sertanejo". Na revista, na seção de frases, estava uma do Machado de Assis, o homem que nos deu de presente a Capitu. "Perdi-me dentro de mim/Porque eu era um labirinto,/ E hoje, quando me sinto,/ É com saudades de mim.", em uma das máximas de Brás Cubas em suas Memórias Póstumas. Do interior do Brasil, lá pelas bandas que Guimarães Rosa plantou seus pés para colher palavras, vim para esse tipo de cidade. Dizem que toda cidade é um texto; para ser preciso, os urbanistas. E por aqui não tenho como fincar raízes. Estranho o concreto. Vivo no ar.

Depois de ler, navegar pelo mar vasto da internet e anotar telefones que irei necessitar para escrever sobre Wicca, resolvi dar os ares da minha (des)graça. E quem sempre me acode é o samba. Mesmo depois de ser taxado de "sujeito que cita frases e nunca é autêntico". Fiquei observando o movimento do imenso rebanho urbano. Ninguém tem culpa, é o sistema. Assim como o engenho é feito para moer a cana e transformá-la em garapa, açúcar, álcool e cachaça, a metrópole transforma tudo em um amontoado de corpos, multidão que não passa de um produto que quer consumir produtos. O barulho da manhã me deixa irado, nervoso, com medo, perdido, revoltado. Esse texto me deixa com a alma triste como o canto do uirapuru.

E me veio no coração Ismael Silva com seu "O Que Será de Mim". Nitidamente ouvi: "Se eu precisar algum dia/ De ir pro batente/ Não sei o que Será/ Pois vivo na malandragem/ E vida melhor não há.../Deixa falar quem quiser/Deixa quem quiser falar/O trabalho não é bom". E ainda foi complementado com o "Ninguém pode duvidar": "Trabalhar só obrigado/ Por gosto ninguém vai lá (...)".

Caprichada letra escrita quando o Brasil já não era um país exclusivamente agrário. A principal cidade era o Rio de Janeiro. Um imenso rebanho fugia da ditadura dos fazendeiros latifundiários e corria para os braços dos coronéis do concreto. Nada mudou na vida dessas cabeças de gado.

E fico pensando na gente que conheço daqui. O Noel que perdeu a esposa para um amigo. Noel trabalha durante 14 horas e ainda defende tese em uma universidade de renome internacional, para "subir" na empresa e estar afinado com os interesses do mercado. Nathan é um filho solitário. Passa as madrugadas em meu apartamento. Mexe na internet. Pede que eu faça café. A Luna é outra que vem me visitar. Chora, conta o que acha que é loucura na sua vida. Luna e Nathan são filhos de pais prósperos. Eles têm carro do ano, são sócios de clubes de fina classe e ocupam cargos importantes em suas empresas. Luna e Nathan sempre me dizem: "Geraldo, falam que você é um louco, um imprestável, um cara decadente, esquisito". Fico rindo.

Mas já começaram a brotar para todos os cantos desse jardim de concreto chamado metrópole as flores solitárias. São crianças sem pai ou sem mãe. Sem casa com cozinha grande para receber amigos. Furam seus corpos, ornamentam com tatuagens, pintam o cabelo, grafitam muros e os vejo como reflexo da loucura instituída pela farsa chamada de "modernidade". A Viviane tem 13 anos e não sabe discernir o seu bebê das bonecas. Nem o som do rap soube libertar essas meninas da periferia. Os "racionais" souberam extrair da desgraça um bom dinheiro para cairem nos braços da boa vida. A palavra periferia está tornando-se lugar-comum. Termo que virou clichê. Foi abocanhado pelos heróis da classe média que pensam em "salvar" os pobres indefesos dos distantes espaços urbanos.

Talvez esteja sendo simplista demasiadamente. Não sei. Mas acho que uma boa xícara de café e o sofá de uma sala podem ajudar. É por isso que o samba é minha terapia. Sinto vida correr e esgueirar-se entre os versos. Sinto a voz sincera e sem tecnologia desse pessoal lá do morro. Me lembro do Bezerra da Silva que nunca deixou o morro.

É que estou sentindo saudades de mim. "De mim" quando caminhava nas ruas, vias e vielas de um mundo aberto ao sol. Lá também há morte, violência, injustiça. Mas lá há algo que só um amigo, o ilustre anarcosambista Bruno Ribeiro, me fez: me levou para tomar um café em sua casa. Dormi em seu quarto. E fiquei feliz com o carinho do André Montanher, esse neopunqueirosocialista, ao entrar em meu apartamento e prosear. São rapazes de valor porque não têm medo do outro. São humanos, demasiado humanos. Aquele "de mim" que sinto saudades é sempre resgatado quando alguém, como o Bruno e o André, partilham a simplicidade da hora de um café.

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